04/08/2017

Altemir Hausmann

A vida antes e depois da bandeira quadriculada

A vida antes e depois da bandeira quadriculada
Quem diria que um início ao acaso transformaria o estrelense Altemir Hausmann em assistente Fifa?
“Eu sempre vivi o futebol desde o tempo que eu era mascote no Estrela F.C., depois como gandula e, quando chegou o tempo pra eu jogar futebol, o clube fechou. Eu queria ter seguido a carreira de jogador, mas aí tive que começar a trabalhar pra ajudar a família em casa”, conta.
Após os 13 anos, Hausmann se afastou da modalidade e foi pra área da música, que sempre lhe agradou. “Com 18 anos, eu fui para o quartel e, quando voltei, fui pra Porto Alegre tentar a vida.”
E foi quando tudo começou. Na capital, ele morava com o tio, que era presidente do Sindicato dos Árbitros. “Num determinado sábado, faltou um cara, e meu tio me pediu ajuda. Eu disse que não sabia o que fazer, mas ele me falou que, quando a bola saísse, era só levantar a bandeira.”
O campeonato em questão era uma competição interna da Corsan. Ele lembra que, já naquele primeiro jogo, houve uma briga e quiseram bater no árbitro. “Eu fiquei pensando: o que é que eu tô fazendo aqui? Mas aquilo me rendeu um dinheiro, que me ajudou muito e, na semana seguinte, um novo convite.”
A partir daí, surgiram cada vez mais jogos e, logo em seguida, o tio de Hausmann o incentivou a fazer o curso de Arbitragem. A capacitação ocorreu em 1990 e, já no ano seguinte, a carreira iniciava-se oficialmente.
“Na Copa de 1990, não existia, ainda, o assistente. Tu bandeirava e apitava. Como aconteceram muitos erros, a Fifa definiu, a partir de 93, a formar os especialistas.”
Hausmann conta que, por ter obtido uma nota considerável no curso, ele pôde escolher entre apitar e bandeirar. No primeiro momento, a escolha foi o apito - foram cerca de 40 partidas. “Nos primeiros jogos, o trio era designado e, num jogo, tu bandeirava e, no outro, apitava.”
“Me faltava um pouco de experiência com o apito, então, aproveitei a formação desse quadro de especialistas da Fifa. Além disso, naquela época, havia muitos árbitros de nome trabalhando e demoraria muito até eu chegar ao nível deles”, conta. Foi então que surgiu a ideia de se dedicar como bandeira e obter experiência assistindo aos árbitros.
Foram diversos jogos pelo Amador, cerca de 50 por ano. Naquela época, revela Hausmann, a regra do jogo não era divulgada, e as partidas eram apitadas na malandragem. “Comecei a bandeirar pra uns caras com experiência e pegar ‘cancha’ pra não apanhar (risos).”
Com a rotina, Hausmann foi gostando cada vez mais de bandeirar e acabou tornando-se, realmente, um especialista. “Em 1993, fiz o meu primeiro jogo no Brasileiro, e muitos caras disseram que eu estava no lugar certo, que, uma hora ou outra, eu teria um bom retorno.”
Em 1994, o assistente entrou para o quadro da Confederação Brasileira de Futebol e, daí para diante, as coisas começaram a acontecer. “Eu me tornei praticamente a primeira geração de especialistas e, mais adiante, referência.”
Hausmann confessa que sempre foi muito estudioso. Ele procurava sempre assistir aos seus jogos, procurando seus erros, avaliando cada partida para que pudesse fazer melhor na próxima.
Em 2001, mesmo sem ainda figurar no quadro da Fifa, ele bandeirou a final do Brasileiro. “Apareceram jogos muito importantes. Fiz diversas finais de Copa do Brasil, até recebi uma mensagem esta semana - sou o assistente com mais finais neste campeonato”, comemora.
Fifa
Após cinco anos de tentativas, o assistente gaúcho conseguiu entrar para o quadro da Fifa. Em 2004, fez o seu primeiro jogo internacional, no Paraguai. “Em 2005, fui pra Colômbia. Foi o campeonato em que surgiu o Messi, a Argentina foi campeã, e ele, a revelação.”
Daí para a frente, foram diversos jogos de Libertadores da América, e em 2007, surgiu o Mundial Sub-17, na Coreia. “Lá, eu praticamente carimbei o meu passaporte à Copa. Aconteceram muitas reprovações em testes físicos e, por isso, muitos voltaram. Em consequência, fiz seis partidas, algo inédito até então.”
Em 2009, Hausmann carimbou o passaporte à Copa, após o Mundial de Clubes, em que o Barcelona foi campeão pela primeira vez.
Copa do Mundo
Em 2006, o estrelense foi à Alemanha e fez testes como assistente reserva, passando em todos os testes físicos.
Na África do Sul, em 2010, pode-se dizer que foi o ápice do bandeirinha, com dois jogos cheios de emoção na Copa do Mundo.
“Na Copa, tu não respira. A primeira partida foi Estados Unidos x Inglaterra, um jogo tenso, com ameaça de bomba. Tivemos que passar detector de metal. Aí o jogo está rolando e tu ouve o barulho de helicóptero. A tensão é enorme e não só da nossa parte, tanto é que, o goleiro inglês levou um frango, tamanho era o nervosismo de todos”, conta.
Na segunda partida, Alemanha e Gana se enfrentavam. Novamente, a emoção estava à flor da pele, pois Gana era o último representante do continente africano. “E foi o que aconteceu. Gana perdeu, e, assim, o continente perdeu sua única esperança.”
Pronto para uma terceira partida, Hausmann confessa que ficou irritado por saber que a escala havia sido trocada.
O revés da carreira
Apesar das muitas alegrias, Hausmann lamenta não ter tido mais tempo com os filhos em consequência da profissão. “Eu não vivi meus filhos, e eles não me viveram. Hoje, eles não sentem falta de mim como eu sinto deles, e eu não posso cobrá-los por isso”, desabafa.
Ele confessa, emocionado, que, se pudesse voltar atrás, escolheria “viver os filhos”. “Minha carreira me deu muitos momentos de alegria, me deu tudo, mas não me deu momentos que eu gostaria de ter vivido com as crianças.”
O spray
O fatídico caso do spray, no jogo entre Corinthians e Santos, foi um momento passional. Hausmann conta que, na época, estava sob efeito de remédio, com dor e tenso. “Era o final do jogo, e os jogadores não estavam respeitando. Aí me exaltei.”
Os jogos
Hausmann explica a diferença entre as competições e as atitudes da arbitragem. “Tem gente que reclama que o (Leandro) Vuaden apita Gauchão de um jeito, Brasileiro de outro e Copa do Brasil de outro, mas não levam em conta que a atitude dos jogadores também é diferente em cada campeonato.”
Ele comenta que, quando há jogos de ida e de volta, a tarefa não é simples. “Quando eu for apitar ou bandeirar o jogo de volta, eu tenho que acoplar a postura da arbitragem do primeiro jogo, senão a torcida e também os jogadores vão cair em cima.”
A aposentadoria
Após completar 45 anos, em 2013, o bandeirinha se aposentou e, agora, tem alguns projetos, sendo, um deles, a escolinha de futebol, o Canhotos FC, em parceria com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) Estrela.
O trabalho completa um ano, tendo se iniciado com oito crianças e ter de 35 a 40 alunos no primeiro ano. Geralmente, os treinos ocorrem na Apae, aos sábados, com o intuito de integrar as crianças e os familiares, além de ensinar regras do futebol.
“Alguns pais pediram para que as crianças começassem a competir e que tivessem horários durante a semana, por isso, este ano, vamos trabalhar a ideia. Na parceria com a Apae, quero oferecer uma ou duas horas por semana de futebol às crianças e usar o que elas têm a nos ensinar”, salienta. Hausmann ressalta que quer que os pequenos saibam o que estão fazendo.
Além da escolinha, Hausmann possui um projeto engavetado, que, quando colocado em prática, aplicará toda a experiência adquirida pelo profissional em anos de carreira. O ex-assistente ainda presta algumas assessorias.
“Eu ensino muitas pessoas, muitos amigos, mas não vou ensinar de graça pra uma instituição como a CBF. Eu vou na casa do cara, mas eu vou cobrar, pois uma entidade tem a responsabilidade de manter isso vivo e melhorar daqui pra diante.”
Para desopilar, ele continua levando a empresa de fibra de vidro. “É com isso que diminuo o estresse”, diz. Hausmann, agora, trabalha no projeto de uma gaiola, para a qual ele mesmo confeccionou parte das peças em fibra de vidro.

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